A esperança pode levar a expectativas não realistas
Posted on 6th December 2018 by Cochrane Brazil
This blog is a Portuguese translation of the tenth in a series of 36 blogs, based on a list of ‘Key Concepts’ developed by an Informed Health Choices project team. Read the English version here. With thanks to Vinicius Fiuza and Cochrane Brazil for the translation.
A esperança pode ser uma coisa boa…
Quando se trata de saúde, a esperança pode ser uma coisa boa. As esperanças, crenças e expectativas positivas podem desempenhar um papel fundamental no efeito placebo, no qual Ben Goldacre (NHS Choices, 2010) resume bem aqui:
O efeito placebo é o fenômeno extraordinário de pessoas que melhoraram mesmo quando só tiveram um tratamento fictício ou falso. Pode ter sido uma pílula de açúcar, e também pode ter sido uma ultrassonografia simulada, falsa, onde alguém segura uma máquina em seu corpo, mas não a liga. Ou até mesmo cirurgias falsas, onde alguém faz a incisão e apenas finge operar. O fascinante e incrível é que, quando as pessoas recebem esses tratamentos falsos, fictícios, elas muitas vezes melhoram. O que é interessante sobre o efeito placebo é que ele mostra o poder incrível da mente sobre o corpo… de uma forma muito real, nós realmente podemos reduzir nossa dor, nós realmente podemos melhorar nossos próprios sintomas através de nossas crenças e expectativas.
Mas a esperança nem sempre é uma coisa boa…
A esperança também pode levar a expectativas falsas. De fato, pesquisas sugerem que pacientes e clínicos possuem uma tendência a superestimar os benefícios dos tratamentos e subestimarem seus danos (Hoffman & Del Mar, 2015; 2017). Como resultado, as decisões que fazemos sobre os tratamentos podem ser inapropriadamente guiadas por esperanças (não realistas).
Às vezes, indivíduos em necessidade ou desespero podem ter a esperança de que os tratamentos irão funcionar e assumem que eles não irão fazer nenhum mal. Adicionalmente, pessoas com interesses investidos podem tirar proveito de esperanças e medos pessoais…
A esperança pode ser usada como meio de manipulação ou controle…
É importante estar ciente que aqueles com interesses investidos podem tirar vantagem de esperanças e medos individuais. Woloshin e Schawartz (2009) fazem esse argumento em relação à triagem diagnóstica:
Vender rastreamento pode ser fácil. Induzir medo ao exagerar o risco. Oferecer esperança ao exagerar o benefício do rastreio. E não mencionar os possíveis danos. Isso é especialmente fácil com o câncer – nenhum diagnóstico é mais temido.
Esse mesmo argumento pode ser aplicado para outros tratamentos também. Cuidadores e pacientes, talvez especialmente aqueles com condições que ameaçam a vida ou a limitam, podem ser extremamente vulneráveis. A necessidade deles em se apegar à esperança pode significar sentirem-se compelidos a seguir qualquer caminho de tratamento oferecido a eles. Nesses casos, as ‘escolhas’ que esses pacientes fazem são realmente escolhas?
Nos piores casos, isso pode resultar em indivíduos que desperdiçam seu tempo e dinheiro buscando tratamentos ineficientes, ou até pior, tratamentos que podem ser danosos. Ben Goldacre (2010) escreveu sobre uma mulher que, desesperada para tratar sua acne, tomou altas doses de uma substância banida, reassegurada por um médico que seguia a medicina tradicional chinesa, de que a droga era segura. Ela erroneamente colocou sua esperança e confiança no tratamento e no médico. Subsequentemente, perdeu ambos os rins e teve que passar a fazer diálise três vezes por semana. Ter esperança ou assumir que um tratamento é seguro e efetivo não necessariamente o torna efetivo.
Testes justos sobre tratamentos com efeitos esperados benéficos, e supostamente inofensivos, podem mostrar que nenhum dos dois é verdade…
Até mesmo os praticantes bem-intencionados podem se enganar. Ao prescrever o tratamento, os benefícios que esperamos nem sempre se materializam. Geralmente, os profissionais de saúde prescrevem tratamentos com a melhor das intenções, particularmente quando eles podem oferecer esperança em uma situação de desespero.
Por exemplo, acreditava-se que infecções ‘silenciosas’ (subclínicas) poderiam levar a trabalho de parto precoce e nascimento prematuro. Como resultado, médicos prescreveram antibióticos para algumas mulheres grávidas, esperando que isso pudesse ajudar a prolongar a gravidez. Ninguém pensou que isso causaria sérios problemas. Na verdade, há algumas evidências de que as próprias mulheres estavam interessadas em tomar os antibióticos – no espírito de ‘vamos tentar isso; não irá fazer nenhum mal’.
No entanto, quando um teste justo sobre este tratamento foi finalmente feito, os resultados foram impressionantes. Nenhum benefício foi identificado. Adicionalmente, o acompanhamento de longo prazo dos bebês no estudo mostraram que aqueles que foram expostos a antibióticos eram mais propensos do que os não expostos a desenvolver paralisia cerebral, problemas na visão, problemas de marcha e fala (Keynon, 2008ª; 2008b).
Esse exemplo é um grande lembrete: é importante que nós não apenas assumamos que um tratamento é benéfico ou seguro – ou que ele valha o quanto custar – apenas por que nós esperamos que ele possa ajudar. Como sempre, nós precisamos considerar as evidências disponíveis.